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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Reféns da seca IX

Triste sina a dura rotina dos que resistem a maior seca dos últimos 50 anos no Nordeste em terras pernambucanas. Nem fétidos barreiros mais existem. Água de beber? Como no romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos, citado tantas vezes por este blogueiro ao longo dos 2,2 mil km percorridos em uma semana, só percorrendo distâncias debaixo do sol.
Para Maria de Lourdes Conceição, a Lourdinha, do sítio Tapera, em Salgueiro, não tem tempo ruim que a impeça de cumprir a triste sina, de andar, andar e andar, arrastando uma lata d´água na cabeça para levar para casa, onde têm sede a família e os bichos – o jumentinho, uma égua e dois cachorros vira-latas.
Encontrar uma poça no meio de terras calcinadas para encher a lata pesada com água suja e amarelada não tem sido fácil nos últimos dias no Agreste Meridional, nem mesmo na terra do ex-presidente Lula, onde as cenas mais comuns são homens, mulheres e crianças lutando por um pouco de água para matar a sede.

José Francisco da Silva, de apenas 17 anos, dá duro em Caetés ajudando o pai a retirar água do único açude que restou na cidade para entregar a R$ 12 à clientela que não tem mais em casa o produto servido pela Compesa. Caetés entrou em colapso total. “A gente abre a torneira e nem vento mais tem”, reclama Maria Francisca, após pagar os R$ 12 pela carregada de água servida por Francisco.
O garoto tem mãos calejadas de tanto puxar água no açude, mas não perde tempo nem se mostra indignado. “Se Deus quis que a vida fosse assim, que seja. A gente ainda tem como arranjar uns trocadinhos vendendo água e quem não tem? Por isso, não reclamo de nada”, desabafa.

Criar pintos em granjas no Agreste de Lajedo já foi bom negócio para muita gente. Maior polo de avicultura do Estado, a região parece caminhar para se transformar apenas num retrato na parede, o retrato drumoniano, da sua Itabira, que tanto dói. Com o calor infernal de 40 graus, os bichinhos são abatidos.
Como não há água na fazenda, “seu” Ernesto Batista, 53 anos, compra um carro pipa toda semana a R$ 120 para manter vivos os frangos da sua granja, que precisam também de ração e milho, cada vez mais caro. Para ele, que terceiriza um plantel para um dos abatedores da região, a solução seria o Governo abrir poços nas granjas.
“A avicultura depende basicamente de água, pois além de matar a sede dos pintos e frangos é usada na manutenção da limpeza diária da granja”, diz ele, que parece decidido a abandonar o negócio. “Já se foi o tempo de ganhar dinheiro aqui com granja. Mesmo à empresa mandando a ração os custos ainda são altos por causa das consequências provocadas pela seca”, relata.

Dona Maria Silva, 44 anos, não sabe o que é chuva há dois anos em seu roçado do sítio Mulungu em Pedra, onde o vento que sopra, mesmo ao cair da tarde e na boca da noite, como diz ela, é quente, de rachar os lábios. Ali, num tempo não muito distante, já assistiu desfiles de vacas leiteiras que engordavam as estatísticas da maior produção de leite do Estado.
Hoje, o gado leiteiro está fraco e sem produzir. Maria também não tem mais fonte de água na terra de chão batido onde prefere resistir à espera de chuva ao lado de três filhos e o marido desempregado. Não fosse o Bolsa Família, programa do qual recebe uma ajuda de R$ 120, estaria condenada a aumentar as estatísticas das mortes morridas da seca ou das partidas rumo a São Paulo.
Maria perdeu a força e a resistência para transportar a lata de água na cabeça. Usa agora uma carroça com dois baldes. Do chafariz até a sua casa são 4 km ou léguas, que faz de uma tirada só em meio a um sol escaldante do meio dia. “Esta já é a segunda viagem do dia”, conta. Para ela, a triste sina só vai acabar quando a invernada chegar, o que parece ser letra morta diante de um horizonte no qual os meteorologistas só garantem chuva para março.

Bem distante dali, já adentrando para o Sertão do Moxotó, Francisca Santana, 48 anos, a Chiquinha, ajuda o marido João a fazer a limpeza de um lote de madeira pura de algorabeira, comprada pelo patrão em Arcoverde, para melhorar as condições do chiqueiro das cabras, animais rústicos, que resistem aos longos períodos de seca.
“Não estava fazendo nada em casa, vim aqui ajudar meu velho”, diz ela, enfiando as mãos sobre a madeira. Arisca e desconfiada, Chiquinha diz que não há mais o que fazer pelas suas bandas onde vive. “Nem empreitada mais aparece para o meu marido, que vive triste, resmungando”, desabafa.
João, o marido resmungão, vivia da roça. Este ano, porém, não deu para plantar nada. “Não choveu nada, moço. Aqui, há mais de um ano que não chove”, diz. Olhando ao redor do cenário apontado por Chiquinha os sinais indicam mesmo que São Pedro está em falta com aquele povo há muito tempo. Nem canto de passarinho por lá é mais possível se ouvir caatinga adentro.

Sorte grande teve Carlos Bezerra de Araújo Silva, 38 anos, que depois de ser tangido da terra onde plantava milho e feijão, dizimados pela longa estiagem, agora ganha o pão numa fábrica de queijos e derivados do leite em Venturosa, a capital da bacia leiteira do Estado, igualmente arruinada pela falta de chuva.
Bezerra trabalha duro na recepção do leite que chega direto das fazendas. Usando baldes, ele vai despejando o leite no laticínio e conferindo, ao mesmo tempo, a quantidade do produto entregue pelos criadores da região. Contratado há seis meses, recebe salário mínimo para sustentar dois filhos e a mulher, que está desempregada.
“Nunca tinha trabalhado na rua, não. Eu sempre vivi de roça, mas tive esta chance e é com isso que estou me virando”, conta Bezerra, entre um tonel e outro de leite que derrama no sistema de coleta do produto na usina. Ali, ele bate o ponto às cinco da manhã e só larga no crepúsculo.
Fabiano, de Vidas Secas, se atormentava com as lembranças da cachorra Baleia e do cavalo que ficou para morrer, já que pertencia ao patrão e ele não podia levá-lo. Bezerra, da Venturosa, se atormenta no novo trabalho com o leite cada vez mais reduzido em quantidade e que já não chega da região, mas vindo de Alagoas. Seu temor é que a entrega acabe de vez e a fábrica passe a comprar leite em pó, o que levaria seu ganha-pão às cucuias.

fonte blog do magno martins
http://www.blogdomagno.com.br
 Escrito por Magno Martins, às 08h15

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